quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Quando o não abster-se de carne se converte em penitência

A quaresma é tempo especial para reflexão sobre a nossa caminhada de fé, bem como oportunidade ímpar para aparar nossas arestas e corrigir os rumos da nossa história.

Nessa época são recomendadas três práticas, cujo exercício nos fortalece na fé: oração, jejum e caridade, que nos elevam em direção à Deus, à nós mesmos e ao próximo.

Quanto ao jejum, especialmente na quarta feira de cinzas e na sexta feira santa a Igreja nos chama a abster-nos de carne, como forma de aprendermos a controlar os nossos impulsos carnais. No entanto, muitas vezes nos deparamos com situações constrangedoras e o simples fato de recusar comer carne nesses dias pode nos colocar em verdadeiras saias justas. Como nos portar então diante dessas situações?

O jejum deve ser uma prática particular, de modo que não é necessário que os outros saibam que estamos jejuando. Jesus mesmo nos recomenda:

"Quando jejuares, perfuma a tua cabeça e lava o teu rosto. Assim, não parecerá aos homens que jejuas, mas somente a teu Pai que está presente ao oculto; e teu Pai, que vê num lugar oculto, recompensar-te-á." (Mt 6, 17-18)

O mais correto e sensato, então, é de fato evitar o consumo de carne. Assim, na presença de alguém muito estimado, mas não tão próximo à ponto de entender as nossa práticas particulares, podemos disfarçadamente não colocar um pedaço de carne no prato, substituindo-o por algo que chame igual atenção e soe como preferência à opção comum ou imediata.

Mas, se de tudo a recusa se demostrar perceptível ou mesmo escandalosa? Seguindo a recomendação de São Paulo quando questionado sobre as carnes sacrificadas aos ídolos, o apóstolo defendia que não haveria problema algum comer tal alimento pois somos esclarecidos e acreditamos em um só Deus, de modo que não estaríamos sacrificando carnes à ídolos que acreditamos não existir. Mas, para não ser causa de queda para o próximo, Paulo nos exorta:

"Atenção, porém, que a vossa liberdade não venha a ser ocasião de queda aos fracos." (I Cor 8, 9)

E ainda:

"Pelo que, se a comida serve de ocasião de queda a meu irmão, jamais comerei carne, a fim de que eu não me torne ocasião de queda para o meu irmão." (I Cor 8, 13).

Nos tempos de hoje, no entanto, a ocasião de queda ou de escândalo pode ser o fato de não comer carne, quando todas a desejam e, similar ao que recomenda o apóstolo, poderíamos comer a carne para não ser ocasião de queda para o irmão.

De fato, sempre que possível recomenda-se evitar o consumo de carne em situações corriqueiras de jejum, podendo não ceder em datas especiais como quarta feira de cinzas ou sexta feira santa, ondem poderíamos inclusive utilizar da recusa como situação particular para afirmar a nossa fé (e evangelizar). Mas há pessoas que já estão tão aprofundadas na fé que o simples fato de aceitar comer pescados nobres, como salmão, bacalhau ou camarão, em uma data como essas, para não escandalizar alguém cairia, como um sacrifício muito maior do que o fato de abster-se do alimento, já que desejariam ardentemente fazê-lo e encontram-se impedido pela situação específica.

Como exemplo, recorramos a vida de um santo para entender como pode se converter em penitência o fato de não abster-se da carne. São Nicolau de Tolentino, confessor, pertenceu a Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho e passou a maior parte da vida num convento, praticando austeridades difíceis de imaginar em nossos tempos, e recolhido em oração e na mais alta contemplação. Sua vida é repleta de milagres e de fenômenos místicos extraordinários. Era obedientíssimo. Conta-se que, por penitência, jamais comia carne, mas certa vez, estando doente, seu superior lhe deu ordem de comer um pouco de carne. O Santo obedeceu comendo um pedaço bem pequeno, e depois disse: "Já obedeci. Agora, por favor, não me aborreçam mais com essas gulodices".

Assim, não somente com relação ao jejum, somos convidados a converter alguns gestos da nossa vida em penitência. Se, para alguns, penitência é não comer carne em determinadas ocasiões, para outros o simples fato de comê-la já é um grande sacrifício. Portanto, que possamos nos utilizar dessas situações para a nossa santificação, bem como oferecendo-as para a salvação das almas.

Que Deus nos ajude nessa batalha!

Eduardo Faria
Missão Combatentes do Bom Combate

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