Hoje trago a preocupação de muitos cristãos quanto à conciliação da missão com a vida pessoal, particularmente quanto aos cuidados familiares.
Quando nos convertemos a Cristo e o reconhecemos como Senhor de nossas vidas e de nossa história, é natural o impulso crescente para o serviço, para o anúncio do evangelho. Queremos partilhar com o próximo as graças recebidas, o imenso amor que sentimos, as transformações realizadas em nosso coração,... enfim, todos os aspectos que acompanham nossa conversão e a caminhada cristã.
Esse impulso se torna ainda mais forte quando nos deparamos com passagens evangélicas que inflamam nosso coração para o serviço, tais como:
- “Quem ama seu pai ou sua mãe mais que a mim, não é digno de mim. Quem ama seu filho mais que a mim, não é digno de mim.” (Mt 10, 37);
- “Se queres ser perfeito, vai, vende teus bens, dá-os aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me!” (Mt 19, 21);
- “Aquele que põe a mão no arado e olha para trás, não é apto para o Reino de Deus”. (Lc 9,62).
São todas passagem muito fortes, vindas do próprio Cristo, que nos sugerem a abandonar todas as coisas que possuímos, inclusive o convívio familiar, para seguí-lo. Mas será que seria essa mesma a Sua vontade? Precisamos antes entender o contexto de cada palavra, antes de mal interpretá-la e agirmos por impulso. Mesmo porque, há uma passagem bíblica onde o mesmo Cristo critica veementemente aqueles que em atitudes farisáicas se apegam à lei e aos costumes como pretexto para não cumprirem com suas obrigações familiares. Vejamos:
“Com efeito, Moisés ordenou: 'Honra teu pai e tua mãe'. E ainda: 'Quem amaldiçoa o pai ou a mãe, deve morrer'. Mas vós ensinais que é lícito alguém dizer a seu pai e à sua mãe: 'O sustento que vós poderíeis receber de mim é Corban, isto é, Consagrado a Deus'. E essa pessoa fica dispensada de ajudar seu pai ou sua mãe. Assim vós esvaziais a Palavra de Deus com a tradição que vós transmitis. E vós fazeis muitas outras coisas como estas.'” (Mc 7, 10-13).
Pela palavra, percebemos que Jesus não nos quer irresponsáveis no seguimento do seu Evangelho. É fato que em diversas situações seremos sim chamados a abandonar tudo para seguí-lo, inclusive bens e familiares. Tais situações dizem respeito à consegrações especiais como a de sacerdotes, religiosos e religiosas, comunidades de vida ou prelasias pessoais. Enfim, são chamados muito particulares que ocorrem, geralmente, em momentos da vida que não se exige cuidados especiais a membros familiares, como a pais em idade avançada ou a filhos em tenra idade, necessitados de presença física e afetiva de seus pais. Daí o fato da maioria dessas consegrações ocorrem ou se concretizam enquanto se está no estado de vida solteiro, pois na condição de casados implicaria na desestabilização do lar e no equilíbrio emocional dos membros que compõe o núcleo familiar.
Bom, e quanto ao chamado para abandonar tudo e seguir à Cristo? Recorramos às passagens tratadas anteriormente:
- Em Mt 10, 37, Cristo não nos chama a abandonar pai ou mãe, filho ou filha para seguí-lo, mas sim condena quem os ama mais do que a Ele, nos remetendo inclusive ao maior de todos os mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas. Dessa forma, este versículo nos convida a colocar Cristo acima de todas as coisas, principalmente como Senhor de nossas vidas e de nossa família. O fato de possuirmos pai ou mãe, filho o filha, não nos engessa para a missão. Pelo contrário, por amar a Cristo mais do que a qualquer outro, somos chamados a anunciar a boa nova, mesmo que também tenhamos que cuidar de nossos pais, esposa/o e filhos. O anúncio do evangelho não implica abandono dos familiares;
- Em Mt 19, 16-22, Jesus confronta o jovem rico com suas próprias aspirações particulares. No versículo 16 o jovem questiona Jesus sobre o que seria preciso para ter a vida eterna e, em seguida, Jesus afirma que o jovem deveria observar a todos os mandamentos, inclusive honrando pai e mãe. Como o jovem se inquetou com o conselho de Jesus, afirmando que já observara todos eles desde a tenra infância, Ele lhe confrontou sugerindo que o jovem não estava apenas buscando apenas a vida eterna, mas a perfeição, pois ele já estava no caminho certo para conquistar a vida eterna. Nesse caso Jesus afirma o que traz o versículo 19: “Se queres ser perfeito, vai, vende teus bens, dá-os aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me!”.
- Em Lc 9, 57-62, Jesus cruza com três homens que desejavam seguí-Lo, mas alguns impuseram a Cristo restrições para esse seguimento: enterrar o pai e se despedir dos que estavam em casa. Nessa situação Jesus faz três observações: o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça, deixar que os mortos enterrem os seus mortos e não olhar para trás quando colocar a mão no arado. Dessa forma o próprio Cristo nos mostra que não podemos ter apegos quando O seguimos, sejam materiais ou familiares. Não ter onde repousar a cabeça é novamente colocar o seguimento de Cristo acima dos nossos prórpios caprichos e vontades individuais, enterrar os mortos é postergar o seguimento de Cristo (talvez o pai do sujeito nem tivesse morrido ainda) e, olhar para trás é novamente estar mais apegado às nossas próprias vontades do que nos empenharmos efetivamente no anúncio do evangelho.
Nesse sentido, São Paulo no capítulo 7 da primeira carta aos Coríntios, faz uma ótima reflexão sobre os diversos estados de vida, inclusive sendo mal interpretado muitas vezes pela preferência ao estado de solteiro em relação ao casamento. Mas, se observarmos as justificativas do apóstolo e todas as observações tratadas anteriormente nesse texto, chegamos à mesma conclusão, a vida de casado implica em algumas renúncias pessoais e ao devido cuidado aos membros da família, não sendo possível a mesma dedicação à missão quanto a que seria dispensada por pessoas solteiras ou celibatárias.
No entanto, como o próprio apóstolo exorta: “cada um permaneça diante de Deus na condição em que estava quando Deus o chamou.” (I Cor 7-24). Dessa forma, independente do nosso estado de vida, o mais importante é não sermos negligentes com nossas obrigações: o anúncio do evangelho e o cuidado devido ao núcleo familiar.
Anunciar o evangelho implica em desprendimento, em renúncia, em colocar o Senhor acima de todas as coisas. Não podemos deixar de anunciar o evangelho, mesmo que apenas com a própria vida, muito mais que com palavras (também necessárias), com a desculpa de que a condição familiar não permite uma dedicação particular à causa do Evangelho
Seguir a Cristo também não nos desobriga dos cuidados familiares. Do contrário, cairíamos no mesmo farisaímos condenado por Jesus, com relação ao Corban. Nossa consagração a Deus não nos exime de nossas responsabilidades, sejam familiares ou profissionais.
Há tantas formas de se anunciar o Evangelho. Não negligenciemos pois, uma coisa ou outra: nossa família e nossa missão!
Nos apoiemos também ao exemplo de Maria e José, como modelo a ser seguido, e peçamos a Deus o equilíbrio necessário para cumprirmos fielmente o nosso chamado.
Que Deus nos fortaleça nessa batalha!
Eduardo Faria
Missão Combatentes do Bom Combate